terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Minho

Sentado debaixo de um frondoso castanheiro
aspiro o perfume neste campo onde o milho
eclode em verde mar formando um oceano
que forma pequenas ondas que ondulam
com a brisa, olho as vides que ladeiam
os muros subindo por estacas de pedra rude e velha
e mostram os primeiros rebentos dos cachos
no emaranhado da folhagem que cobre o tosco tronco.
O cheiro entranhado na terra revitaliza-me o sangue,
alimenta-me para o tempo de exílio forçado.
Ouço o barulho das águas que correm rápidas
na ribeira que vai alimentar o grande rio.
Águas límpidas onde trutas, bordalos e bogas
lutam contra a força da torrente de forma heroica,
de cabeça virada para a nascente, parecendo deitadas
em cima das pedras polidas que enxamam o fundo
pedregoso, ao lado o cheiro a hortelã perfuma o ar.
Os melros enchem os ares com os seus cantos,
as andorinhas passam rasantes levando o bico a aspirar
as águas e os insetos. A tarde vai fria, - sabe-me bem sentir
o frio – esfrego as mãos e passo-as pelos braços,
uma sensação momentânea de calor invade-me
o peito, afago em seguida as pernas e a face, quero
guardar aquelas sensações para sempre, (nunca sei
quando voltarei àquele lugar), passa um pequeno
coelho. Esqueci a palavra láparo, assim como
esqueci tantas outras que a pouco e pouco foram
desaparecendo do nosso léxico, e eram palavras
bonitas. (Tenho saudade desses termos antigos,
possivelmente tenho saudades da minha juventude).
Tenho de partir, deixar a solidão que me faz pensar,
recordo o passado, olho para o presente e não consigo
projetar o futuro. Falta de esperança? Talvez.
Assim, sem fé, rezo aos elementos que me traga
a capacidade perdida de sonhar, para voltar a olhar
para amanhã com a mesma confiança de antigamente.
Não é o medo de envelhecer, não é o pavor da morte,
é um peso enorme que trago comigo, uma amargura
que me magoa, o ter de abandonar algo que amo.
Dá-me neste meu Minho que me adotou
e recebeu de braços abertos aquilo que preciso,
paz interior e uma vida que se vai desfazendo
quando deveria descansar e esperar que os dias
passassem tranquilos sentado neste verde a ouvir
o barulho deste ribeiro e sonhar com o futuro,
porque mesmo os mais velhos podem sonhar.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Outono na minha terra

Na minha terra não passam comboios
passam ribeiros de águas translúcidas,
pequenos regatos que levam pequenos
seixos e areias, e também insetos, às vezes,
nas margens, pequenas rãs miram a água
na busca de alimento, saltam quando
passo e se escondem atrás do verde
que salpica as veredas, são líquenes,
nos muros e árvores o musgo desponta
algumas pequenas plantas ainda mostram
as suas minúsculas flores amarelas
destoando de todo o reino vegetal
que as rodeia, nas encostas os carvalhos
estremecem à passagem de uma leve brisa,
ao longe ouve-se uma toada de animais
escondidos pelas silvas e arbustos
parece o canto monótono de um convento
onde os frades escondem a sua solidão
nas vozes tristes dos cantos gregorianos
em orações ritmadas e melancólicas
de beleza inigualável,
olhando as casas rústicas pelo monte
e sonhando com esses cantos sente-se
um retorno à idade média, naquele lugar
o tempo não passa, só as pessoas partem
e não voltam, mas o tempo continua
a correr, a seguir ao dia vem a noite,
sucedem-se as semanas, os meses e os anos,
mas naquele lugar ninguém conta as horas
porque esperam um dia ir e não regressar
É outono na minha terra e na vida dos homens.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Ignorância

Às vezes penso que nada gostaria de saber,
não pensar o mundo, não conhecer os homens,
não ler livros, não escrever, seria mais feliz,
não teria sobressaltos nem pensamentos estranhos
de vida e de morte, ser como os loucos sem ser louco
olhar o mundo e nada ver para além do que é mundo,
não procurar o significado das coisas, o porquê
daquela água passar por ali e não mais ao lado,
como aquela flor nasceu ali e não noutro lugar
qualquer onde nascem outras flores. Gostaria
de não conhecer a beleza da arte, essa doce
tirania que se impõe com insistência no meu
espírito, me deslumbra e me cega tornando
o mundo mais belo mas mais complexo
tornando-se essa obsessão numa metáfora
egocêntrica e ao mesmo tempo me prende
sob um manto diáfano por onde passa uma luz
ténue e bela, e me deixa ver que de mais nada
preciso a não ser do teu amor. Gostaria de não conhecer
as letras, de não as saber juntar, transformando-as em palavras,
frases, textos, assim essa beleza não me oprimia
nem dominava os meus dias. Sem eu saber a arte continuava
arte, a beleza manter-se-ia bela, a natureza deslumbrante
e a vida continuaria, porque afinal quem sou eu neste
infinito tempo no meio de tanta gente? Um minúsculo grão
numa engrenagem complexa que ainda ninguém decifrou.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Analogia

Não havia naquele lugar prados resplandecentes,
não havia animais níveos nas pastagens
porque estas não as havia ,
havia uma paisagem revolta e agreste
onde nenhum homem pisara,
onde nenhum homem bulira.
Nesta paisagem inóspita e severa
simplesmente se podia observar,
porque ela era como as almas livres.
Nesta paisagem hostil e montanhosa
corria um pequeno ribeiro de águas revoltas
por entre pedras lisas moldadas pela corrente
que cortava a terra em duas,
como uma veia atravessa o corpo do homem
e transporta a alma vivente ao coração,
assim se alimentava aquele lugar,
porque mesmo os sítios mais bravios
precisam de sustento para viver,
por isso, apesar da minha profunda rebelião,
preciso do teu beijo, do teu abraço,
preciso do teu amor, como aquela paisagem
precisa da torrente de água para viver.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Os rios da minha terra

Tenho saudades dos rios da minha terra
das suas águas límpidas em um borbulhar
constante, deslizando por entre seixos
rolados pelo tempo e pela sua passagem,
as areias cor de ouro e negro transportam-me,
em deleite, por sonhos de querer seguir
aquelas águas até à sua foz, o prazer
de descobrir a sua nascente, os seus peixes
prateados, outros de multicolores que nos confundem
os sentidos, então por aquelas águas umas vezes
calmas outras revoltas imagino que segredos
e desejos guardam, por isso queria estar perto
dos rios da minha terra, tenho tantos desejos
a pedir, mas há um que se sobrepõe a todos,
esse seria o primeiro (porque só os primeiros três
são atendidos), queria ter-te a meu lado sempre,
a todas as horas, se possível a todos os minutos,
para puder olhar-te de soslaio e escrever
poemas de amor e neles colocava todo o meu
ardor e fantasias, não te os dava a ler, por
medo de que não gostes deles, porque
quando te olho nada do que escrevo é exagerado,
tão grande e forte são os meus sentimentos
é por isso tenho saudades dos rios da minha terra,
para além das águas claras, das areias e dos seixos,
são mágicos e místicos, porque me inspiram,
posso conversar com eles, e quando lhes peço
um desejo eles ouvem-no se o tornam realidade
não importa porque eles são os rios da minha terra.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Analogia

Olhava para o vale que se estendia no horizonte
via o espelho que se estendia mesmo a minha frente,
uma enorme mancha de água de um azul profundo
ladeado de verde, castanho e cinza dos carvalhos
que se erguiam frondosos pelas encostas pedregosas,
uma paisagem bucólica que trazia paz ao espírito

e me deixava pensar no largo mar que tinha de transpor.

O sol começava a descair para o seu poente,
mudava os seus tons alaranjados,
adquiria os seus tons vermelhos com que se despedia,
deixava o seu lugar à noite e a uma lua prateada
que se adivinhava por detrás daquele monte,
despedia-me daquele paraíso que amava
para me lançar num mundo desconhecido.

Se me custava deixar aquele olimpo
tentava decifrar como seriam os meus dias sem ti,
as noites sem o teu afago e o beijo carinhoso
e duas lágrimas rolaram-me pela face,
bebi-as para guardá-las,
sabia que elas me fariam falta
nos longos dias onde os pensamentos estariam contigo,
onde te beijava sem te ver,
te amava no silêncio do mundo,
e essas mesmas lágrimas estariam de volta ao vítreo branco,
voltaria a bebê-las porque essas lágrimas são tuas.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Jardim dos Homens

Eis-vos aqui perante o Jardim dos Homens
terra de semblante límpido e agreste onde
verde e azul se confundem num eterno abraço.
Nas suas areias brancas deposita-se a espuma
alva de onde retiras o teu sustento. Das planícies
ora de verde, ora de oiro colhes o teu pão.
Das montanhas bravias retiras o teu leite.
Das tuas flores silvestres colhes o mel – afinal o
Jardim dos Homens também é terra de leite e de mel.
Olho o teu céu azul claro intercalado de nuvens
imaculadas de brancura que me indicam a direção do mar.
E assim o homens seguiram esses tortuosos caminhos
em pequenas embarcações seguindo rumos indefinidos
em peregrinações infindáveis, muitas vezes sem
regresso. Pelas montanhas saiam montados em
jumentos mesclados de cinza ou preto, branco ou castanho
em direção oposta. Os mais afortunados passavam,
os outros… enfim os outros, aqueles que nunca
chegaram ao destino, foram esquecidos pelo tempo
mas lembrados pelo negro das viúvas e das mães
que perderam todas as lágrimas numa saudade
como só nós podemos sentir e pronunciar.
O fado, o eterno fado. E assim continuamos
a lamentar-nos desta terra, deste Jardim
dos Homens, cruzando os braços, mas abrindo-os em
terras alheias, colhendo riqueza que nunca será nossa.
Lembremos os tortuosos caminhos que percorremos
até chegarmos aqui, num passado de glória, agora de
presente triste e desconfiado, futuro incerto.
Mas o Jardim dos Homens teve algo muito especial,
as pessoas afáveis que nele habitavam
e que se perderam por ação do tempo.
Era lugar de solidariedade e de sorriso aberto,
era lugar de pão e vinho sobre a mesa – apesar
desses tempos também serem de má memória.
O contraste não podia ser pior, perdeu-se a
solidariedade, o sorriso fechou-se, sobre a mesa
há lamentos doridos e amargos de quem não
tem pão. Mas homens e mulheres do Jardim
dos Homens afinal de que massa somos feitos?
De que aço somos temperados? Pertencemos a um
grupo restrito habituado a não olhar as adversidades
como uma fatalidade, somos temperados pelo sol
rude que nos abrasa e pela chuva que nos dá a
dureza, mas, ao mesmo tempo, dá-nos a flexibilidade
de quando cairmos nos voltarmos a erguer. Então
erguei-vos Povo e vamos mostrar ao mundo
que há um Jardim dos Homens onde ninguém
se resigna ao fatalismo perpétuo da história.