quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Analogia

Olhava para o vale que se estendia no horizonte
via o espelho que se estendia mesmo a minha frente,
uma enorme mancha de água de um azul profundo
ladeado de verde, castanho e cinza dos carvalhos
que se erguiam frondosos pelas encostas pedregosas,
uma paisagem bucólica que trazia paz ao espírito

e me deixava pensar no largo mar que tinha de transpor.

O sol começava a descair para o seu poente,
mudava os seus tons alaranjados,
adquiria os seus tons vermelhos com que se despedia,
deixava o seu lugar à noite e a uma lua prateada
que se adivinhava por detrás daquele monte,
despedia-me daquele paraíso que amava
para me lançar num mundo desconhecido.

Se me custava deixar aquele olimpo
tentava decifrar como seriam os meus dias sem ti,
as noites sem o teu afago e o beijo carinhoso
e duas lágrimas rolaram-me pela face,
bebi-as para guardá-las,
sabia que elas me fariam falta
nos longos dias onde os pensamentos estariam contigo,
onde te beijava sem te ver,
te amava no silêncio do mundo,
e essas mesmas lágrimas estariam de volta ao vítreo branco,
voltaria a bebê-las porque essas lágrimas são tuas.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Jardim dos Homens

Eis-vos aqui perante o Jardim dos Homens
terra de semblante límpido e agreste onde
verde e azul se confundem num eterno abraço.
Nas suas areias brancas deposita-se a espuma
alva de onde retiras o teu sustento. Das planícies
ora de verde, ora de oiro colhes o teu pão.
Das montanhas bravias retiras o teu leite.
Das tuas flores silvestres colhes o mel – afinal o
Jardim dos Homens também é terra de leite e de mel.
Olho o teu céu azul claro intercalado de nuvens
imaculadas de brancura que me indicam a direção do mar.
E assim o homens seguiram esses tortuosos caminhos
em pequenas embarcações seguindo rumos indefinidos
em peregrinações infindáveis, muitas vezes sem
regresso. Pelas montanhas saiam montados em
jumentos mesclados de cinza ou preto, branco ou castanho
em direção oposta. Os mais afortunados passavam,
os outros… enfim os outros, aqueles que nunca
chegaram ao destino, foram esquecidos pelo tempo
mas lembrados pelo negro das viúvas e das mães
que perderam todas as lágrimas numa saudade
como só nós podemos sentir e pronunciar.
O fado, o eterno fado. E assim continuamos
a lamentar-nos desta terra, deste Jardim
dos Homens, cruzando os braços, mas abrindo-os em
terras alheias, colhendo riqueza que nunca será nossa.
Lembremos os tortuosos caminhos que percorremos
até chegarmos aqui, num passado de glória, agora de
presente triste e desconfiado, futuro incerto.
Mas o Jardim dos Homens teve algo muito especial,
as pessoas afáveis que nele habitavam
e que se perderam por ação do tempo.
Era lugar de solidariedade e de sorriso aberto,
era lugar de pão e vinho sobre a mesa – apesar
desses tempos também serem de má memória.
O contraste não podia ser pior, perdeu-se a
solidariedade, o sorriso fechou-se, sobre a mesa
há lamentos doridos e amargos de quem não
tem pão. Mas homens e mulheres do Jardim
dos Homens afinal de que massa somos feitos?
De que aço somos temperados? Pertencemos a um
grupo restrito habituado a não olhar as adversidades
como uma fatalidade, somos temperados pelo sol
rude que nos abrasa e pela chuva que nos dá a
dureza, mas, ao mesmo tempo, dá-nos a flexibilidade
de quando cairmos nos voltarmos a erguer. Então
erguei-vos Povo e vamos mostrar ao mundo
que há um Jardim dos Homens onde ninguém
se resigna ao fatalismo perpétuo da história.